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Ano da Fé

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sábado, 12 de maio de 2012

LÁGRIMA CELESTE


Manhã de Junho ardente. Uma encosta escavada,
Sêca, deserta e nua, à beira d'uma estrada.
Terra ingrata, onde a urze a custo desabrocha,
Bebendo o sol, comendo o pó, mordendo a rocha.


Sôbre uma folha hostil duma figueira brava,
Mendiga que se nutre a pedregulho e lava,
A aurora desprendeu, compassiva e divina,
Uma lágrima etérea, enorme e cristalina.
Lágrima tão ideal, tão límpida, que ao vê-la,
De perto era um diamante e de longe uma estrêla.


Passa um rei com o seu cortejo de espavento,
Elmos, lanças, clarins, trinta pendões ao vento.


- "No meu diadema, disse o rei, quedando a olhar,
Há safiras sem conta e brilhantes sem par,
Há rubins orientais, sangrentos e doirados,
Como beijos d'amor, a arder, cristalizados.
Há pérolas que são gotas de mágua imensa,
Que a lua chora e verte, e o mar gela e condensa.
Pois, brilhantes, rubins e pérolas de Ofir,
Tudo isso eu dou, e vem, ó lágrima, fulgir
Nesta c'roa orgulhosa, olímpica, suprema,
Vendo o Globo a teus pés do alto do teu diadema!
"


E a lágrima celeste, ingénua e luminosa,
Ouviu, sorriu, tremeu, e quedou silenciosa.

***

Couraçado de ferro, épico e deslumbrante,
Passa no seu ginete um cavaleiro andante.


E o cavaleiro diz à lágrima irisada:
"
Vem brilhar, por Jesus, na cruz da minha espada!
Far-te hei relampejar, de vitória em vitória,
Na Terra Santa, à luz da Fé, ao sol da Glória!
E à volta há-de guardar-te a minha noiva, ó astro,
Em seu colo auroreal de rosa e de alabastro.
E assim alumiarás com teu vivo esplendor
Mil combates de heróis e mil sonhos d'amor!
"


E a lágrima celeste, ingénua e luminosa,
Ouviu, sorriu, tremeu e quedou silenciosa.

***

Montado numa mula escura, de caminho,
Passa um velho judeu, avarento e mesquinho.
Mulas de carga atrás levavam-lhe o tesoiro:
Grandes arcas de cedro, abarrotadas d'oiro.
E o velhinho andrajoso e magro como um junco,
O crânio calvo, o olhar febril, o bico adunco,

Vendo a estrêla, exclamou: "
Oh Deus, que maravilha!
Como ela resplandece, e tremeluz, e brilha!
Com meu oiro em montão podiam-se comprar
Os impérios dos reis e os navios do mar,
E por esse diamante esplêndido trocara
Todo o meu oiro imenso a minha mão avara!
"

E a lágrima celeste, ingénua e luminosa,
Ouviu, sorriu, tremeu, e quedou silenciosa.

***

Debaixo da figueira, então, um cardo agreste,
Já ressequido, disse à lágrima celeste:

"
A terra onde o lilaz e a balsamina medra
Para mim teve sempre um coração de pedra.
Se a queixar-me, ergo ao céu os braços por acaso,
O céu manda-me em paga o fogo em que me abraso.
Nunca junto de mim, ulcerado de espinhos,
Ouvi trinar, gorgear a música dos ninhos.
Nunca junto de mim ranchos de namoradas
Debandaram, cantando, em noites estreladas...
Voa a ave no azul e passa longe o amor,
Porque ai! Nunca dei sombra e nunca tive flor!...
Ó lágrima de Deus, ó astro, ó gota d'água,
Cai na desolação desta infinita mágoa!
"


E a lágrima celeste, ingénua e luminosa,
Tremeu, tremeu, tremeu... e caíu silenciosa!...

***

E algum tempo depois o triste cardo exangue,
Reverdecendo, dava uma flor côr de sangue,
Dum roxo macerado, e dorido, e desfeito,
Como as chagas que tem Nosso Senhor no peito...
E ao cálix virginal da pobre flor vermelha
Ia buscar, zumbindo, o mel doirado a abelha!...




Guerra Junqueiro
25/03/1888

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